sábado, 20 de dezembro de 2014

O Cão


Farejo aqui e ali. Procuro por sacos e latas de lixo. A fome aperta. Olho para cima e vejo luzes, tantas luzes. Pequenas, grandes, amarelas, vermelhas, verdes. Tantas cores! E sinto uma agitação muito grande tomando conta da cidade. Não entendo, mas sinto. O que  acontece? Por que tantas luzes, tanta agitação?
Sigo meus passos. Fome e frio apertam a barriguinha. De repente, um ajuntamento de pessoas, numa praça. Que se passa na praça?... Aproximo-me devagar. Tenho medo de que me enxotem. Logo, ouvirei:
-                  Tirem esse cão sarnento daí?
-                  Passa fora!
-                  Rua!!!  (Ah! Já estou na rua.).
Mas... interessante. Passo entre as pessoas, ao lado das pessoas, na frente delas, por trás. Ninguém me enxota. Parece até que algumas me dão passagem. Olham-me com olhar de piedade. Ah! Devo estar sarnento, fedorento. Estão com nojo de mim.
Súbito, vejo outras pessoas mais adiante num espaço superior. Um palco. Sim, é isso. Um palco. Ocorre um teatro ali. Espera! Já vi isso antes. É uma representação do nascimento de Jesus. Olha! Um rosto conhecido e triste. Parece que chora. É o do José. Vou me aproximar do José. Gosto dele. Subo ao palco. Ouço vozes:
-         Quem é aquele?
-        Por que sobe ao palco pela frente?
-        Tirem-no daí!
-        Vai estragar o espetáculo!
Neste momento, José modifica seu semblante. Abre os braços. Corre ao meu encontro.
-         Meu filho!!! Meu filho!!!
Abraça-me tanto que quase quebra meus ossos. Depois, vai ao centro do palco e anuncia:
-         É um milagre! O milagre do Natal! O milagre de Deus! Este é o meu filho! Ele desapareceu há vários dias!... Jesus o trouxe de volta! Obrigado, Senhor!!! 
Ajoelha-se e reza, enquanto chora. As pessoas da plateia, uma após outra, ajoelham-se e rezam com meu pai. E eu desperto do meu longo sonho infantil. Não sou um cão. EU SOU UM MENINO.

Conto de Natal de Liti Belinha Rheinheimer

Imagem: Google

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