Farejo aqui e ali. Procuro por sacos e latas de lixo. A fome
aperta. Olho para cima e vejo luzes, tantas luzes. Pequenas, grandes, amarelas,
vermelhas, verdes. Tantas cores! E sinto uma agitação muito grande tomando
conta da cidade. Não entendo, mas sinto. O que
acontece? Por que tantas luzes, tanta agitação?
Sigo meus passos. Fome e frio apertam a barriguinha. De repente,
um ajuntamento de pessoas, numa praça. Que se passa na praça?... Aproximo-me
devagar. Tenho medo de que me enxotem. Logo, ouvirei:
-
Tirem esse cão sarnento
daí?
-
Passa fora!
-
Rua!!! (Ah! Já estou na rua.).
Mas... interessante. Passo entre as pessoas, ao lado das
pessoas, na frente delas, por trás. Ninguém me enxota. Parece até que algumas
me dão passagem. Olham-me com olhar de piedade. Ah! Devo estar sarnento,
fedorento. Estão com nojo de mim.
Súbito, vejo outras pessoas mais adiante num espaço superior. Um
palco. Sim, é isso. Um palco. Ocorre um teatro ali. Espera! Já vi isso antes. É
uma representação do nascimento de Jesus. Olha! Um rosto conhecido e triste.
Parece que chora. É o do José. Vou me aproximar do José. Gosto dele. Subo ao
palco. Ouço vozes:
-
Quem é aquele?
-
Por que sobe ao palco
pela frente?
-
Tirem-no daí!
-
Vai estragar o
espetáculo!
Neste momento, José modifica seu semblante. Abre os braços.
Corre ao meu encontro.
-
Meu filho!!! Meu
filho!!!
Abraça-me tanto que quase quebra meus ossos. Depois, vai ao
centro do palco e anuncia:
-
É um milagre! O milagre
do Natal! O milagre de Deus! Este é o meu filho! Ele desapareceu há vários
dias!... Jesus o trouxe de volta! Obrigado, Senhor!!!
Ajoelha-se e reza, enquanto chora. As pessoas da plateia, uma
após outra, ajoelham-se e rezam com meu pai. E eu desperto do meu longo sonho
infantil. Não sou um cão. EU SOU UM MENINO.
Conto de Natal de
Liti Belinha Rheinheimer
Imagem: Google
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