Dois completos estranhos
entrecruzam seus olhares, e foi só o que bastou. Não havia como imaginar
tamanha ligação que aconteceria, mas foram só, apenas olhares, aquele momento
inconsciente e aquele choque percorrendo o corpo, mas tudo se apaga, e voltam
para o mundo real, já fora do campo de visão.
Quem é ele?
Quem é ela?
O que aconteceu?
Perguntas ficam soltas no
ar...
Mas agora é tarde... Ambos
já seguiram sua vida, sua rotina. Mas a vida é esperta, ela sabe o que preparar
e como fazer. O que se passou ali não foi mero acaso, algo vai acontecer...
O dia corre como de costume.
Ele vai ao trabalho, almoça, volta para casa, mas ela não sai de seu
pensamento... Os olhos... ele não esqueceria aqueles olhos...
Em casa, ele toma seu banho,
come um lanche e checa seus e-mails. Recebe alguns convites de redes sociais e
não tendo o que fazer, além da pensar na mulher desconhecida, verifica as
solicitações. Em um grupo, ele nota uma mulher semelhante àquela. Ela residia
muito longe, em outro estado. Mesmo acreditando não ser ela, achou que valeria a
pena mandar-lhe um convite de amizade, algo lhe havia chamado atenção. Então o
fez.
Ela levou um susto ao
receber o convite do homem que com quem havia cruzado mais cedo. Como ele a
achou? Um pouco assustada, ela decide deixar pendente a resposta. Tentar
encontrar algo sobre ele na internet, mas nada... O estranho é que ela sentia
uma curiosidade imensa, ela olhava para a imagem, a fotografia dele na tela e
algo a puxava, havia um magnetismo, como pela manhã, quando trocaram olhares. Então
ela percebeu que seu local de residência ainda permanecia inalterado, que
estava como se ela residisse em outro estado, então só teria que tomar cuidado
para não se cruzaram tão cedo novamente. Respirou fundo e aceitou o
convite. Agora era esperar para ver.
Logo estavam trocando muitos
segredos, conversavam como se fossem velhos conhecidos, e aquela ligação entre
eles parecia aumentar. Mas mesmo com tudo isso, ela não lhe contava que morava
a poucos minutos dele.
No entanto, as coisas aos poucos foram
mudando, eles estavam muito próximos, e ela sonhava com todas as histórias de
encontros que eles criavam juntos a distancia. Ela precisava se afastar ou
assumir que estava mentindo para ele. Não sabia o que iria machucar mais: ela o
deixar, não falar mais com ele ou ver a mágoa que ele lhe devolveria ao saber
da mentira. Ela acreditou que a saudade doeria menos, e assim o excluiu de suas
redes e bloqueou suas mensagens no e-mail. Para ele, ela havia sumido, como se
nunca tivesse existido, ela se apagou na rede...
Ele ficou sem chão, achando
que tudo não passou de delírios dele, loucuras... Não havia mais nada, nada que
confirmasse que ela existia, a não ser a única foto que ele havia salvado em
seu computador, do perfil dela, logo no começo da relação. E só isso...
Dias passaram, semanas, e
nada... Ele não a encontrava em nenhuma rede, seus e-mails retornavam, e
ninguém sabia lhe dizer nada sobre ela. Mas ele não desistiria.
Todos os dias ele vasculhava
as ruas e fazia uma promessa silenciosa: se a encontrasse ela novamente, ele
não nem perguntaria, pegá-la-ia pelo braço e arrastá-la-ia para qualquer lugar
onde pudessem ficar a sós, mesmo arriscando a levar uns tapas ou ser perseguido
pela polícia, se ela gritasse por socorro. Essas imagens lhe causavam uma
confusão de sentimentos: era tensão, tesão, adrelina... Tudo junto. Todos os
dias ele pedia em orações que a encontrasse, e pedia coragem para fazer o que
prometia.
Ela se cuidava ao máximo.
Havia cruzado por ele umas duas vezes, mesmo trocando de trajeto, aconteciam os
encontros. A sorte era que ela o via antes, e agora usava óculos escuros,
aproveitava o verão e assim encobria boa parte de seu rosto, mas
principalmente, não deixava seus olhos a denunciarem.
No momento em que ela o via,
seu coração disparava, e ela precisava lutar contra si para se mover, para não
correr ao encontro dele. Quando ficava sozinha em casa, chorava a sua dor da
saudade... Ele era perfeito, tudo o que ela desejava em um homem ele possuía,
por isso mesmo ela acreditava que ele não a perdoaria.
Ela começou a enlouquecer
com aquela situação, ela o desejava... E só agora entendia que precisava dele,
mas era tarde demais... Não o via há mais de uma semana, ia antes do horário
para a praça que ele cruzava todos os dias, sentava e lá ficava a procurar. Ela
estava de férias, então pegava um livro, um chapéu, seus óculos e se sentava
num banco. Mas nada, nem um sinal, assim como ela havia sumido do mundo
virtual, ele sumiu do real.
Dias se passaram e suas
férias já estavam acabando, e logo ela teria que voltar a trabalhar, e nem um
sinal dele. Mesmo assim, ela ia todos os dias ler na praça...
Ele estava incrivelmente
intrigado com a mulher que sempre estava lendo na praça nas duas últimas
semanas. De manhã, o trânsito no centro era terrível, com muito
congestionamento, então ficava alguns minutos observando-a.
Sentia que ela fazia o mesmo:
observar. Mas parecia mais, ela dava a impressão de estar procurando alguém...
E essa sensação lhe causava um aperto no peito, como se significasse algo
profundo para ele. Aquela sensação que ele não tinha há meses, desde que sua
amada sumiu, sem deixar esperanças para ele.
À noite, em sua cama,
escutando rádio, tocou uma música especial:” Hoje a noite não tem luar” (Renato
Russo/Legião Urbana), era uma das músicas que ela amava, que era especial, ela
dizia que sempre se sentia sendo tocada no íntimo do seu ser ao escutar a
letra...
A letra era como uma facada
em seu peito:
“E hoje a noite não tem luar, E eu estou sem ela, Já não sei
onde procurar
Não sei onde ela está...”
Não sei onde ela está...”
E como num flash de memória
ele lembrou de uma frase que ela havia escrito em uma das suas primeiras
conversas online: “Se você quiser me achar pela rua, procure a mulher com um
livro na mão e com fones no ouvido”.
Só podia ser ela na praça!
Aquela noite parecia não
passar, as horas se arrastavam. Ainda era muito cedo quando ele estacionou seu
carro num lugar próximo ao banco em que a mulher se sentava todos os dias. Uma
hora se passou até a avistar. Ele usava calças jeans, uma camiseta mais solta,
presa por um cinto bem leve, carregava só seu livro nas mãos e estava com
fones, discretos, visível apenas porque o fio era branco, o que o destacava no
azul da blusa.
O coração acelerou, não
tinha certeza se era, não conseguia ver os olhos, nem o rosto... Porcaria de
chapéu... e por que não estava nublado hoje?! Respirou fundo, saiu do carro,
permaneceu ali parado ainda alguns minutos, reunindo coragem para fazer o que
estivera prometendo há muito tempo para si mesmo.
Ela nem esperança tinha mais
de encontrá-lo, ia até a praça pelo simples prazer de ler, e porque não
conseguia ficar em sua casa, sozinha... Acomodou-se em seu banco preferido. O
dia estava fresco, não tinha um sol tão intenso, então ela tirou seu chapéu,
colocou ao seu lado e pôs seus óculos junto. Sem nem olhar ao seu redor, pois
nada dali lhe interessava, além dos ruídos da cidade que lhe tirava o aperto da
solidão, mesmo que temporariamente, iniciou sua leitura.
Enquanto ela realizava suas
ações sem pensar, ele analisava cada movimento, e a cada segundo tendo a
certeza que era ela. Sem dúvidas, direcionou-se até o banco.
Parou em frente dela. Ela
ergueu os olhos para criticar quem quer que fosse que estava ali, atrapalhando
seu momento de paz... Mas qualquer ação se perdeu quando seus olhos se
encontraram. Ele não disse uma palavra sequer, apenas a puxou para si e lhe deu
um beijo intenso, de puro desejo, luxuria.
Não dando atenção para nada
do que havia ali, apenas a puxou consigo, indo em direção ao seu carro. Abriu a
porta do passageiro, lhe indicou que entrasse, bateu a porta, deu a volta e
embarcou também.
Nenhuma palavra trocada,
nenhuma ação... Ele apenas dirigia, sem rumo ainda... E ela observava a estrada
a frente. E assim foi por vários momentos, até ele parar em uma rua paralela,
que circundava uma linda lagoa. Desceu e foi caminhando até a margem. Não sabia
o que pensar, o que fazer... Havia pensando tanto naquilo e agora nada...
Estava em choque.
Ela permaneceu no carro,
buscava coragem. Sabia que agora não tinha volta, eles estavam sozinhos, era a
hora da verdade... E a dor que ela sentiu ao imaginar perdê-lo novamente foi
esmagadora, mas era o certo a fazer.
Saiu do veículo e caminhou
na direção dele com passos leves e demorados. Ele olhava o horizonte, não a viu
até ela estar ao seu lado. Ela pegou sua mão. Ele não hesitou. E assim
permaneceram mais alguns segundos. Até a realidade cair sobre eles. Eles se
olharam, um olhar verdadeiro, de encontro de almas. Daquela forma que palavra
nenhuma consegue descrever. Quando o inconsciente fala mais que qualquer ação.
A única pergunta: Por quê? A única resposta nesse momento: Medo...Sem mais
nenhuma palavra, dita ou pensada, eles se entregaram de corpo e de alma para
aquele magnetismo que eles sentiram desde seu primeiro olhar cruzado...E foi
ali, na beira da lagoa qe colocaram de lado todas as dores, medos e angústias e
finalmente tiveram seu momento, nada havia além deles no mundo.
A única coisa que ouviram ao
fundo (vindo não se sabe de onde) foi a melodia da música que agora era integrante
dos dois, com um significado misteriosamente encaixado em suas vidas... “Tenho certeza que não sonhava, A noite linda
continuava, E a voz tão doce que me falava, O mundo pertence a nós”.
Luana Jenifer
Imagem: Samuel Marcondes Fotografias
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