quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Aquela Casa.


Neusa Masuda 1979


Tão pequena, coladinha na casa vizinha, cinzenta com se fosse um pequeno pardal, querendo se acomodar no ninho.
Olhando a fachada, duas janelas, uma de cada lado, e uma porta central de duas folhas, que, para sua fachada estreita, se fazia imponente. Até que poderia lembrar  o rosto de um ente místico adormecido, que, com o despertar de um novo dia, iria abrir os olhos e, quem sabe, engolir a quem batesse à porta, fazendo desparecer o visitante.
Como é bom poder deixar correr os pensamentos e ver que as fantasias que ficaram no tempo, alimentadas por recordações pueris, deixam voltar gostosas lembranças de um reduto de criança, sabor de lar, de família feliz... a mais bela que se possa imaginar!
Passando os olhos por seu interior, encontramos vestígios de um passado tão diferente do nosso!
Muito alta, muito antiga!
Ela não tem hall, apenas uma grande sala, onde reinavam sofás coloridos, bem arrojados para sua época, mas do gosto dos moradores, contrastando com as tábuas largas do assoalho, marcadas pela história que já acolheu.
Foi a oficina do laborioso e tradicional alfaiate do bairro e de quem parecem ainda vagar lembranças pelos demais cômodos da casa: dois quartos, uma pequena copa, uma cozinha com despensa e uma área anexa à casa, onde ficava o banheiro, depoimento de modernidade conquistada.
O que mais despertava curiosidade era a estreita escada de madeira que levava ao sótão.
Seus degraus rangiam ao subir, como que a prenunciar mistérios, até o rústico alçapão que desvendava o espaço.
É tão simples, mas tão cativante seu interior que foi refúgio de muitas horas de simples devaneios, olhando para a torre da capela da escola em frente ou para longas horas de leitura de romances juvenis.
Dali também se via, logo abaixo, correndo pela cerca, as amáveis rosinhas cor-de-rosa,enredadas na tela, florescendo sempre  na época de meu aniversário. Que gostoso!
E ao fundo, no tradicional quintal, enormes abacateiros com suas estranhas frutas, tanto no aspecto como no sabor, mas que conquistaram os moradores e foram incorporados ao cardápio, assim como tantas outras coisas que compunham aquele lugar:
O tanquinho de peixes dourados, o canil com cerca de bambu, as galinhas da “Tata”, nossa vizinha, que caminhavam pela beira do muro e eram “namoradas” pelo cachorro Rex, cuja paixão era espantar as penosas e assustar os transeuntes.
E a mais bela das lembranças, a frondosa pereira, linda no desabrochar de suas flores brancas e seus frutos de verde intenso, mas muito mais linda como companheira de intermináveis horas de escaldas por seus galhos retorcidos, construindo fantasia de trapézio imaginário de um colorido circo, onde a solitária trapezista fazia suas acrobacias. Quase sempre era trazida de volta à realidade pelo  “ – “Desce daí, vai cair, é perigoso!”, de cuja voz, seu timbre, é minha maior saudade até hoje.
Já não sou mais amiga daquela adrenalina nascida nas alturas do trapézio encantado, do desfio que fazia querer ver o mundo de cabeça para baixo e com isso sentir uma rara  força  e alegria...
Cresci.......
Sobrevivem muitas saudosas  lembranças de anos que ali foram vividos, cheios de ternura, com uma família tão pequena, mas tão grande em sua essência de amor, de animais adotados da rua, de flores cujas mudinhas eram fruto de troca  entre vizinhas, de pássaros e especialmente, de pessoas, novos amigos... Alguns deles eternos!
Cada vida é uma história.
Da minha faz parte aquela rua,
Aquela casa.


Imagem: Google
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Renate Gigel
1957- 1967

Um comentário:

  1. Ah...aquela casa...que todos nós ( benditosamente) ainda lembramos e ainda vive dentro de nós...Lindo texto. Beijo. Ju

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